Aos 23 anos, Gabriel do Nascimento, fundador da startup Nong, personifica o principal trunfo dos seres humanos nesta época de profundas transformações: a capacidade de adaptação.

Nos últimos anos, ele dissolveu seu plano de carreira, assumiu riscos e experimentou novas formas de trabalhar e adquirir conhecimento. Apaixonado “por coisas que voam”, Nascimento passou boa parte da adolescência estudando para o vestibular de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília. Iniciou o curso agarrado ao sonho de atuar na construção de foguetes, satélites e aeronaves. A meta era disputar uma vaga nos grandes projetos do setor. Mas a viagem de imersão científica à China – país escolhido como destino no programa Ciências sem Fronteiras – abriu seus olhos para os avanços da indústria 4.0.

Durante dois anos, Nascimento driblou o abismo cultural, aprendeu mandarim e mergulhou na tecnologia dos drones (veículos aéreos não tripulados). “Os chineses estão muito à frente dos brasileiros no desenvolvimento dessas aeronaves. Fiquei impressionado”, conta. Diante de um novo mundo, ele apostou na flexibilidade. Procurou oportunidades na área aeroespacial, mas acabou na de inteligência artificial, estagiando na subsidiária chinesa da Microsoft. Continuou com os olhos firmes no céu e percebeu que, em vez de construir grandes aeronaves, poderia programar e ensinar máquinas. Aproveitou a parceria da Huawei com o Ciência sem Fronteiras para aprofundar o conhecimento sobre drones, encarou a fábrica chinesa, começou a dar aulas de inglês para juntar dinheiro, planejou uma startup e voltou ao Brasil mudado. “Migrei para a engenharia de software.”

No ano passado, Nascimento trancou a matrícula na universidade. A startup decolou, o empreendedorismo falou mais forte e ele foi atrás de novas qualificações. “Nunca estudei tanto na vida”, diz. A Nong, fundada na capital federal, encontrou oportunidades de negócios no ramo da agricultura de precisão. Desenvolve soluções de visão computacional para o monitoramento da lavoura, com o uso de drones. O menino que vivia com a cabeça no espaço tem agora os pés fincados na roça. “Estou adorando. É uma virada e tanto para uma pessoa 100% urbana como eu”, diz o empreendedor.

A história de Nascimento é uma entre as de muitos profissionais que buscam espaço no mercado de trabalho e o encontram na migração de área. A estratégia será cada vez mais comum por conta dos avanços da digitalização. Estudo sobre o impacto da automação nos empregos, realizado pela Mckinsey, aponta que, até 2030, entre 75 milhões e 375 milhões de trabalhadores (algo entre 3% e 14% da mão de obra global) terão de mudar de área. A diferença no número se explica pela metodologia, que considerou cenários de adoção lenta, média e acelerada de tecnologias de automação e inteligência artificial.

De acordo com o estudo, entre 10 milhões e 800 milhões de postos de trabalhos serão ocupados por máquinas, exigindo dos trabalhadores capacidade de adaptação para encarar novas empreitadas. Especialistas apontam que quase 50% das tarefas exercidas atualmente são passíveis de automação e seis entre dez profissões possuem 30% de atividades prontas para serem assumidas por máquinas. “A transformação digital impactará todo mundo, em todos os setores e cargos”, diz Ana Karina Dias, sócia da McKinsey e líder da prática de organização na América Latina.

Ela explica que é preciso ler os números de forma correta para não sucumbir ao pânico. “Ao todo, 20% das atividades serão automatizadas. A previsão é de que apenas 5% dos postos de trabalho sejam, de fato, eliminados”. Já o restante das profissões, afirma Karina, terá parte das tarefas afetadas, exigindo empenho para integrar a tecnologia ao dia a dia. Serão apoio ao trabalhador, não uma tomadora de emprego. “A automação amplia a produtividade. É bom para os profissionais, para as empresas e para a economia como um todo”, diz Karina.

O estudo da McKinsey está alinhado às previsões de outras instituições respeitadas como Accenture e Gartner, que acreditam em uma migração da força de trabalho para novas profissões e na criação de novos empregos. Para o instituto de pesquisas Gartner, a inteligência artificial vai criar, em todo o mundo, mais postos (2,3 milhões) do que eliminar (1,8 milhões). A conta segue o fluxo históricos das revoluções industriais. “Após um tempo de acomodação, as pessoas se encaixam nos novos empregos”, lembra o sociólogo Glauco Arbix, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados, também da USP. Ainda de acordo com ele, as tecnologias ‘mais ameaçadoras’, como a inteligência artificial, estão em estágio inicial. “É preciso tomar cuidado, principalmente com os estudos mais fatalistas. Todas as revoluções industriais modificam as estruturas do trabalho. A questão é como vamos nos adaptar às mudanças, que estão mais velozes nesta era.”

Em 2013, um estudo sobre o futuro do trabalho, publicado por Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, pesquisadores da Universidade de Oxford, botou gasolina na questão da substituição do trabalho humano por máquinas. A pesquisa assustou a sociedade. Eles mapearam 702 profissões com potencial para automação – levando em conta as com maior e menor risco de acabarem. A lista de Frey e Osborne classificou desde operadores de telemarketing a dirigentes corporativos – passando por entregadores, médicos e engenheiros. A metodologia adotada resultou em um número alarmante: 47% das profissões nos Estados Unidos estão em risco. Preocupada, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) preparou estudo próprio para entender os impactos nos empregos nos 36 países membros da instituição. A amostra estudou 32 nações.

A OCDE identificou que um em cada dois empregos será afetado significativamente pela automação, com base nas tarefas envolvidas. O grau de risco varia de acordo com a profissão. Os resultados mostraram que, em 14% dos empregos estudados, 70% dos processos podem ser realizados por máquinas – afetando a vida de 66 milhões de trabalhadores. Além disso, outros 32% dos postos de trabalho terão entre 50% e 70% de mudanças significativas em suas rotinas.

Sérgio Gama, líder de desenvolvimento da IBM para a América Latina, explica que há muita confusão entre tarefa e profissão disseminando o pânico. Há 30 anos na área de tecnologia da informação, presenciou transformações profundas em suas funções e nas de muitos brasileiros. Ele lembra que nos anos 1980 os bancos mantinham milhares de digitadores nas folhas de pagamento. “Como a computação era centralizada, os digitadores recebiam os dados em papel e os inseriam no sistema”, recorda. A partir da instalação de terminais de computador nas mesas dos funcionários, os digitadores tiveram de buscar novas funções. Dedicado à área de desenvolvimento de software, Gama atua hoje como evangelizador de inteligência artificial. Corre o Brasil para palestrar e discutir o tema. “Hoje estou mais próximo da comunicação do que dos códigos”.